A Reforma Eleitoral que o BBB precisa.

Paredões triplos com voto de rejeição levaram a distorções negativas do jogo, levando a briga de dentro do confinamento para as redes sociais.

Henrique Mota
7 min readApr 26, 2020

Um texto de Henrique Mota e Thiago Süssekind , dois caras que não concordaram em quase nessa edição, exceto que o Paredão deve mudar

Essa edição do Big Brother Brasil entra para os livros como uma das mais maiores da história, talvez a maior. Mas a verdade é que chegamos na final com a saída precoce de muitos dos seus protagonistas e só existe um culpado: o sistema de votação do BBB. Uma dinâmica de voto que favorece o conflito fora do programa e acaba com as disputas dentro da casa, favorecendo unicamente a permanência de quem prefere não se expôr para o jogo. Isto tem que mudar. Precisamos de um paredão triplo com voto de apoio em vez do voto de rejeição.

Não seria a primeira vez que o programa passaria por uma reforma eleitoral. A adoção dos paredões triplos com o voto para eliminar, mudança implementada após o BBB 07 – marcado pela vitória acachapante do mocinho Diego Alemão contra os vilões capitaneados por Alberto Cowboy – foi muito bem-vinda. Finais antecipadas, como a responsável pela novidade – entre Íris Stefanelli e aquele que viria a ser o campeão da edição de 2007 – passaram a praticamente deixar de ocorrer, garantindo a diversão por mais tempo. E o espírito de uma nova grande alteração na dinâmica do voto teria o mesmo objetivo: manter os big players pelo máximo de tempo possível.

No paredão entre Felipe Prior e Manu Gravassi, quase todo mundo esquece que existia uma terceira competidora, que, com toda certeza, seria eliminada não fosse a dinâmica eleitoral do reality: Mari González. Esta teve o mérito de aparecer em divertidas tiradas no final do jogo, mas, no momento daquele paredão, era uma figura apagada, que se escondia dos conflitos. A verdade é que o voto por rejeição acaba por favorecer as plantas, justamente o grupo menos desejável para o BBB. É preciso privilegiar os jogadores que fazem o reality rodar custe o que custar, a despeito da rejeição que possa vir a eliminá-los mais à frente do programa.

Quando o paredão triplo foi implantado no BBB, a ideia era principalmente favorecer aqueles que eram fortes. Pressupunha-se um acordo informal entre as torcidas de rejeição daqueles personagens que eram considerados nulidades ou que contassem com rejeição generalizada. Salvo o paredão em que Gabizinha foi eliminada ou aqueles de PX, Hadson e Lucas, o BBB20 não se observou esse padrão de votação. Pelo contrário, no fundo, a força do BBB nas redes sociais, somadas à gigantesca polarização que estes meios de comunicação tendem a construir, produziu um novo cenário, que, por fim, promoveu o retorno prático do paredão duplo. A torcida forte A, estrategicamente, opta por eliminar a torcida forte B e vice-versa. Salvo, é claro, uma exceção determinante para os rumos da edição: a união entre os perfis oficiais de Manu e Babu para tirar Mari da disputa.

Defensores do sistema atual poderiam argumentar que os paredões entre os principais jogadores possam ser positivos para o próprio jogo. Traz um clima de decisão antecipada que anima corações, tal como o paredão entre Manu e Prior ou Babu e Pyong. Mas como fica o dia seguinte? Em geral, perde-se uma figura importante que não é exatamente bem substituída ou, quando subsistuída, isto ocorre por um personagem menos interessante, uma planta que resolveu se tornar grande jogadora. É inegável, nesse sentido, que o reality – e pensando apenas no aspecto do entretenimento – acabou perdendo com a saída de Prior e Pyong. E, vale observar, caso fossem outras as regras, Rafa poderia ter sido a eliminada contra o coreano e Babu – justamente uma finalista, que ficou em detrimento dos big players.

Nota-se, contudo, que isto não é um problema do paredão triplo em si, mas do que se é pedido das torcidas. Não se pede para apoiar os participantes a ficar na casa, eliminando o menos votando, mas sim o voto para eliminar, retirando-se o mais rejeitado. Essa dinâmica favorece que, fora da casa, prevaleça o ódio sobre o amor – justamente em razão da natureza de um espectador ter que convencer as pessoas a votarem nas outras para saírem, criando vilões e prejudicando a vida de gente comum fora do reality. É muito mais bonito para o jogo manter o conflito dentro da casa, por mais tempo, em nome do famoso "fogo no parquinho", mas sem que o confronto deixe as paredes do estúdio – com o público apoiando seus favoritos sem precisar detratar tanto os rejeitados.

Da mesma maneira, por conta do sistema atual, os perfis oficiais dos participantes do BBB agem por conveniência, sugerindo votos estratégicos que fazem pouco ou nenhum sentido com a realidade de dentro da casa. Cada administrador oficial de fã clube deveria focar nos motivos para seu próprio candidato vencer, elogiando as suas virtudes, ao invés de buscarem atacar outros competidores, oferecendo estímulo ao conflito entre torcedores de participantes que na verdade são amigos entre si. O voto para "eliminar" favorece essa situação, enquanto o voto para "apoiar", por sua vez, tende a favorecer estratégias voltadas para o próprio participante que se tem simpatia.

Alianças estratégicas são possíveis, defendendo votos conjugados – contudo, ao contrário do voto para eliminar, no momento em que se defende o voto em outra pessoa, as chances do seu próprio ídolo ficar no programa saem prejudicadas. Considere, para fins de demonstração, o exemplo mais representativo: digamos que C tenha apoio de 30%; D de 30%; e E tenha apoio de 40%. No voto para eliminar, as torcidas de C e D – não necessariamente próximas – poderiam se juntar e eliminar aquele que tende a ser mais popular que ambos os outros. Ou seja, é possível que o mais popular seja punido por uma aliança estratégica altamente circunstancial. Quando o voto é de apoio, a disputa é bem diferente, de modo que C e D disputariam voto a voto por sua sobrevivência, mas num confronto mais sadio, que busca o apoio acima da rejeição.

Por conta de um sistema de apoio ao invés de rejeição, episódios lamentáveis, como o perfil de um negro compartilhar texto de cunho racista contra outra negra, talvez jamais existissem. Simultaneamente, alianças estratégicas sem sentido com as afinidades dos próprios participantes tenderiam a ser menos comuns. Bom, neste caso, um crítico da proposta alternativa poderia argumentar que falar mal de um adversário ainda seria uma forma de uma torcida favorecer seu candidato, mesmo nesse cenário de voto de apoio. Isto tende a ser verdadeiro, mas possui um efeito bem menos forte do que dentro das regras do modelo atual.

Voltemos ao cenário hipotético anterior (C: 30%, D:30%, E:40%). No voto de rejeição, as torcidas de C ou D podem atacar E à vontade, uma vez que o objetivo seria rejeitá-lo, motivando as pessoas a votarem contra ele e "cancelá-lo". No sistema alternativo, a torcida de C pensaria duas vezes em atacar E ou D. Atacar E significaria mobilizar recursos para algo que prejudica um adversário, mas não necessariamente lhe favorece. Enquanto atacar D, o adversário direto, poderia, de fato, espantar votos no seu adversário, mas sem necessariamente fazer com que o seu preferido ganhasse estes votos. Dependendo de como seu movimento for interpretado, o ataque da torcida de C a D pode ter até efeitos inusitados, tais quais a saída dos defendidos pelos próprios apoiadores para D ou E. A tendência é que a situação de ataques vicerais seja menos comum num sistema que estimula a rejeição, o voto negativo.

Dessa maneira, em virtude da própria natureza dos estímulos criados por um sistema de votação enraizado no apoio, não na rejeição, uma mudança muito provavelmente acarretaria em disputas mais sadias para o público, mas sem que isso significasse perda de engajamento ou audiência. Afinal, em primeiro lugar, ao se manter os big players na disputa, os telespectadores teriam mais motivo para assistir o programa com a mesma intensidade até o fim. Além disso, ainda nesse sentido, os paredões com maior participação popular seriam deixados para o final – e, não só isso, mas juntando sempre os mais populares, num afunilamento entre protagonistas rumo à grande final. Significaria mais pay-per-view, mais conversas sobre o reality em redes sociais e um desfecho eletrizante para cada edição.

No entanto, talvez mais importante do que isso seria o efeito humano que a Rede Globo poderia despertar sobre os participantes e os brasileiros em geral. E, de novo, sem prejuízo de audiência – e, portanto, de receita. A edição de 2020, que se consagra como marco histórico ao ser o maior símbolo televisivo de um período de quarentena, ativou sentimentos de ódio corrosivos tanto para os espectadores quanto para os participantes. O último eliminado antes da final, Babu, foi alvo de fake news grosseiras, como a imagem – originalmente de um filme – do ator com uma arma de fogo, numa tentativa de associá-lo a atividades criminosas. Não menos relevante, alguns de seus rivais no programa foram eliminados com a pecha de preconceituosos, mesmo após retratações, num julgamento público, sem direito à defesa, que os perseguirá durante anos.

É natural que disputas tão efervescentes, chegando a envolver o público ao ponto de se atingir um recorde mundial de engajamento, acabem por promover debates acalorados entre as torcidas. No entanto, o efeito disso sobre a vida de gente comum poderia ser diminuído com uma simples mudança no sistema de votação, que amenizaria fortemente o clima de ódio instaurado nas redes sociais. E, talvez até mais importante: mantendo as brigas dentro da casa, pois as personalidades fortes – mais populares – permaneceriam no jogo por mais tempo. Atrito, brigas, discussões... Tudo continuaria acontecendo, mas em Curicica. Deixem a treta para dentro da casa, não para fora. O Brasil agradece e o BBB também.

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Henrique Mota

Economics PUC-Rio (2015- 18), Master in Economics PUC-Rio (2019 - 21). Progressive. He/him