Eleições seguras e justas e financiamento público de campanha diante da ameaça do coronavírus.

Num país democrático, mesmo que em pandemia, eleições e o financiamento público de campanhas são serviços essenciais. Neste breve artigo, proponho uma reflexão sobre a importância dos fundos eleitoral e partidário e apresento medidas para garantir um pleito justo e seguro num país sob a ameaça do coronavírus.

Henrique Mota
5 min readApr 7, 2020

Henrique Mota

Foto: Nelson Jr./ ASICS/ TSE

A guerra por fundos para combater o coronavírus tem estabelecido uma ampla discussão sobre quais gastos do governo devem ser preservados ou expandidos e quais podem sofrer cortes. Para financiar a saúde e os programas sociais que buscam preservar uma renda mínima para os indivíduos, busca-se tributar os mais ricos, cortar salários do funcionalismo e até impor empréstimos compulsórios sobre milionários e bancos. Além disso, a tentação corriqueira das massas nas redes sociais é apoiar fortemente o fim do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral para financiar iniciativas de saúde. A motivação por trás disto é o vírus da antipolítica, que rejeita os partidos estabelecidos e o sistema representativo e esquece da importância que a política tem em nossas vidas. Se o objetivo, contudo, é preservar atividades essenciais, acabar com estes fundos é um grave ataque à nossa democracia. Não só o governo precisará mantê-los, bem como deverá expandir recursos para celebrar campanhas em tempos de distanciamento social.

Dentro da lógica de preservar atividades essenciais, é preciso entender a importância dos fundos que financiam eleições e partidos. Por mais pouco representativos que sejam nossos partidos políticos, suspender o financiamento público de campanha e reduzir os meios econômicos para se organizar uma eleição e financiar candidaturas significa tornar nossas eleições menos representativas e dificultar o acesso daqueles que não possuem meios de autofinanciamento para chegar ao poder. Isto faz com que candidaturas competitivas sejam principalmente aquelas de indivíduos com amplos patrimônios e fontes de renda segura.

Se isto já é verdade em tempos normais, na ocasião de uma grave pandemia, isto é mais verdadeiro. Isto porque os choques econômicos da covid-19 tendem a afetar indivíduos com menos acesso a crédito, trabalhadores informais e os mais pobres. Dessa maneira, as possibilidades de autofinanciamento de campanhas destas pessoas são mais limitadas. O mesmo vale da capacidade dos eleitores de financiar, via “crowdfunding” / vaquinha online, suas campanhas favoritas. No meio da crise, é muito difícil que este seja um gasto prioritário no orçamento pessoal. Por fim, pode-se argumentar que indivíduos mais humildes que pudessem ser representativos, como lideranças comunitárias, poderiam compensar a falta de recursos com trabalho de rua, conversando diretamente com as pessoas. Em tempos de distanciamento social, isto torna-se impossível.

Dessa forma, garantir recursos para as campanhas torna-se essencial. Isto pode ser reforçado com medidas que focalizem as despesas nas campanhas de vereador onde os meios de financiamento sejam mais limitados. Uma forma de fazer isto é alterar a legislação para que candidatos escolham entre o financiamento público e o financiamento privado, autofinanciado ou financiado por pessoas físicas, com limites fixos de doação por indivíduo. Para além disso, contudo, outras medidas terão que ser feitas e isto exigirá recursos.

Nos Estados Unidos, a discussão sobre eleições em meio a pandemia já está mais avançada do que no Brasil. Mesmo que a curva seja achatada, como preveem os epidemiologistas, ainda será preciso garantir que novas ondas não se repitam e, com isso, vêm medidas novas de convívio social para evitar a contaminação. O governador do estado do Wisconsin está em conflito com a Suprema Corte de seu estado para suspender eleições presenciais e permitir o uso extensivo do correio para permitir que as pessoas possam votar de casa. As senadoras Elizabeth Warren e Amy Klobuchar tem proposto que as eleições sejam celebradas por correios e que as pessoas também possam votar mais cedo com facilidade. No Brasil, está possibilidade de realização de voto à distância não deve ser factível.

Duas grandes medidas, contudo, merecem ser consideradas com cuidado pelo Congresso Nacional e pela Justiça Eleitoral. A primeira é reverter parte da minirreforma eleitoral de 2015, retomando propagandas de televisão mais longas e tendo campanhas mais “cumpridas”, de 45 dias ao invés de 35 dias. A televisão é o meio de comunicação que mais atinge a todos os brasileiros: com campanhas mais longas e mais tempo de TV, expandem-se as oportunidades dos eleitores (dos mais pobres aos mais ricos) terem contato com candidaturas. Ao mesmo tempo, com 10 dias a mais de campanha, para aqueles candidatos ancorados em campanhas virtuais, dá-se mais tempo para se construir bases de seguidores e atingir mais usuários de redes sociais.

A segunda proposta é introduzir um processo de votação mais longo, a ser realizada em 7 dias (ao invés de um domingo), com base num rodízio na presença, selecionando eleitores a partir da primeira letra do nome da pessoa. Isto facilitaria muito o distanciamento dos eleitores e ajudaria a evitar aglomerações. Nesta segunda proposta, pode se acrescentar pontos de “voto antecipado” onde, por meio de um sistema digital ou telefônico do TSE, o cidadão pode marcar para votar mais cedo e, assim, não entrar em contato com multidões. “Early voting” é comum nos Estados Unidos, onde tem se buscado estimular o voto. Aqui, no Brasil, a preocupação adicional seria de saúde.

É óbvio, em todas as hipóteses, que procedimentos sanitários adicionais devem ser acrescentados: disponibilização de álcool gel após a votação, uso de máscaras para os que controlam os documentos e formam as mesas eleitorais e distanciamento mínimo na fila para urna. Além disso, voluntários para coordenar a votação não serão suficientes se for preciso celebrar o processo eleitoral em mais dias. Algum tipo de seleção pública terá que ser feito para ter funcionários trabalhando ao longo desta semana. Precisaremos também de mais forças policiais atentas e profissionais da justiça eleitoral disponíveis. Isto tudo exigirá recursos, mas muito menores em escala se comparadas as centenas de bilhões de reais que já serão usadas para resgatar empresas e pessoas em vulnerabilidade.

O direito ao voto e eleições justas, onde o patrimônio não determine os resultados do pleito, só podem ocorrer se tratarmos os fundos partidário e eleitoral e as campanhas políticas como serviços essenciais, tanto quanto os de bombeiros, de policiais, de supermercado e aqueles médico-hospitalares. Se não tomarmos medidas que busquem garantir um ambiente justo e competitivo para as campanhas eleitorais e que respeitem a saúde e o direito ao voto dos eleitores, estaremos desrespeitando os próprios princípios da nossa Constituição e do Estado democrático de direito.

Henrique Mota é mestrando em Economia pela Faculdade de Economia da PUC do Rio de Janeiro. Graduado em Ciências Econômicas pela PUC-Rio, tem interesses na área de Microeconomia Aplicada, Economia do Trabalho e Economia do Desenvolvimento.

--

--

Henrique Mota

Economics PUC-Rio (2015- 18), Master in Economics PUC-Rio (2019 - 21). Progressive. He/him