Emissoras de televisão, onde estão as máscaras?

Televisões orientam a população a tomar determinadas medidas de prevenção, enquanto elas próprias vivem em mal exemplo.

Henrique Mota
4 min readApr 18, 2021
Márcio Gomes inaugura seu programa na CNN de máscara mas não permaneceu o programa inteiro com uma delas.

Henrique Mota, Mestrando em Economia pela PUC-Rio.

O coronavírus é uma doença transmitida pelo ar. É o que já ressaltou, em outubro de 2020, o editorial da revista Lancet e, em abril desse ano, o British Medical Journal. Contaminações por coronavírus não se dão apenas por partículas pesadas, mas também por transmissão aerossólica. Como consequência, distanciamento social de dois metros e máscaras simples de pano, que podem ser medidas efetivas para o combate à transmissão por partículas pesadas (associados, no senso comum, aos perdigotos), perdem a eficácia para lidar com as leves. Na realidade, locais pouco ventilados, com muita aglomeração de pessoas, pedem justamente pelo uso de máscaras com boa vedação e alta qualidade de filtragem, as máscaras PFF2. A televisão, no entanto, vive em um mundo paralelo onde nenhuma das prevenções adequadas são tomadas.

Sabemos que a TV brasileira e, particularmente, o telejornalismo assumiram uma posição extensamente didática ao longo da pandemia. Como não lembrar da campanha “Usar #MascaraSalva” e o programa do Márcio Gomes, em que ele ensinava como fazer uma máscara caseira. No entanto, em que pese esses momentos “cívicos” de didatismo, as emissoras de televisão pararam no tempo. Focam no espetáculo da limpeza, com os vidrinhos de álcool em gel dispostos à mesa e as barreiras de acrílico, e esquecem as evidências sólidas da ciência.

A Rede Globo, em especial, se colocou prontamente contra as atitudes anti-ciência de Jair Bolsonaro. Corretamente demonstra como o presidente se aglomera sem fazer o uso de máscaras, como espalhou bravatas e mentiras sobre as vacinas e o distanciamento, e como tem sido o principal responsável do maior colapso econômico, social e sanitário da história do país. É uma atitude correta da emissora, de grande relevância e interesse público. Mas qual é o exemplo prático que seus programas dão em termos de combate à pandemia?

Nas noites de sábado, ao iniciar o programa Altas Horas, há uma estranha cerimônia em que os convidados e o apresentador Serginho Groisman tiram suas máscaras e ficam relativamente distanciados. A câmera, inclusive, destaca este estranho protocolo. Mas porque tirar as máscaras? Trata-se de um auditório pouco ventilado e os indivíduos que ali se apresentam ou são entrevistados não estão de breve passagem, ficarão uma hora ou mais se comunicando, o que amplia a liberação de gotículas potencialmente contaminantes. O resto da programação televisiva apresenta os mesmos problemas: ausência de máscaras, distanciamento frágil e pouca ventilação.

Na foto, observa-se o exemplo do Estúdio I. Há um spray com álcool, distanciamento quase simbólico, mas e o resto?

Isso dá exemplos extremamente negativos para o país. Massacrados pelo vírus, os brasileiros buscam proteção, mas muitas vezes são mal informados. Muitos somente fazem aquilo que foram instruídos no início da pandemia: obsessivamente limpam superfícies, usam máscaras de pano, e se “lambuzam” de álcool em gel. A questão principal é: como esperar uma mudança de atitude, se o Programa do Ratinho tem um apresentador que se vacina sem máscara, se emissoras como a Record e o SBT apresentam programas de auditório com plateia não virtual mal distanciada e com máscaras de qualidade duvidosa, e se absolutamente todas as emissoras de televisão apresentando seus telejornais com apresentadores próximos um dos outros e sem uso de respiradores?

Papo de Segunda Verão é exemplo que deveria ter virado modelo para programas de auditório.

É preciso fazer diferente e há exemplos positivos na própria televisão. No GNT, o programa “Papo de Segunda” na sua edição de verão fez um programa no centro do Rio, na região do Museu do Amanhã, completamente ventilado e com distanciamento. Numa situação como essa, a ausência de máscaras é menos deseducadora. Como alternativa, muitos programas apresentaram suas entrevistas com distanciamento e sem dinâmica presencial. No pior momento da pandemia, porque também não pensar em retomar nessa modalidade?

Se o status presencial é necessário, algo bastante compreensivo no telejornalismo, há medidas que podem ser tomadas. Ou se coloca a TV fora de salas pouco ventiladas e se constroem instalações com ventilação e boa circulação, ou se introduzem máscaras PFF2 para as equipes, jornalistas e apresentadores. O potencial didático de William Bonner ou Silvio Santos usarem máscaras em seus programas em auditórios fechados é imensamente maior do que qualquer campanha de spots de 30 segundos sobre a defesa de máscaras ou takes de helicóptero de pessoas caminhando pela praia como se cometessem um pecado capital. Como toda mudança, isso envolve um processo de adaptação. É importante não perder de vista a questão da inclusão: com máscaras que dificultam a leitura labial, amplia-se a urgência de um intérprete de libras nos programas de televisão.

Alguns países já fizeram algumas iniciativas simbólicas. Um jornal japonês colocou seus apresentadores de máscara, assim como no início da epidemia, jornalistas chineses usaram máscaras para apresentar seus programas. Japão e China são países que já tem o hábito do uso de máscaras para evitar doenças respiratórias, mas mesmo na TV isto é uma novidade trazida com a covid. A televisão brasileira pode ir além e pode ser pioneira. Eis a meta: apresentar todos os seus programas em espaços fechados com máscaras de boa qualidade até o fim da pandemia. A divulgação científica sobre técnicas de proteção se dá não só pelo que se fala, mas também pelas ações de quem transmite a informação. Quanto mais conteúdo e menos partículas contaminantes se propagarem, melhor.

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Henrique Mota

Economics PUC-Rio (2015- 18), Master in Economics PUC-Rio (2019 - 21). Progressive. He/him